Viver a solidariedade é indispensável
para possibilitar que as práticas políticas recuperem a sua inteireza. É
necessária uma limpeza nos mais variados mecanismos de funcionamento da
política, e de forma urgente.
A solidariedade, por ser um valor
capaz de requalificar, permite reconstruir o esgarçado tecido da cidadania. Por
isso, em todos os momentos, em diferentes sociedades, é indispensável fazer referência,
propor iniciativas e refletir sobre a solidariedade. No coração da prática
solidária está o princípio fundamental e inegociável da consideração para com o
outro.
O apóstolo Paulo faz essa
recomendação, estabelecendo esse valor como fundamento da identidade daquele
que tem fé. Explica o apóstolo: exemplar é o gesto de Deus ao oferecer à
humanidade o
que tem de mais precioso, seu filho Jesus, o Salvador. Assim, Deus
antecipa-se no gesto de reconciliação com o ser humano, deixando a lição
fundamental de que é preciso reconhecer a importância do outro. Esse “outro” é
você, eu, cada um de nós. Esse princípio tem força de equilíbrio, pois conduz a
civilização na direção humanística que permite superar crises.
Semear a solidariedade
Embora, muitas vezes, reconheça-se o
valor da solidariedade, sabe-se que não é tão simples plantar e fazer florescer
essa convicção nos corações. Na política, por exemplo, em vez de se investir
nos gestos solidários, prevalece a crença de que avanços diversos dependem de
conchavos, ideologias partidárias ou simplesmente das promessas nunca
cumpridas. Contenta-se assim com ensaios de lucidez, insuficientes para atender
aos urgentes anseios do povo, principalmente de quem é mais pobre. Falta, pois,
na sociedade brasileira, um tecido solidário de qualidade.
Quase sempre, o que se verifica no
Brasil é um discurso de autoelogio sobre certas práticas dedicadas aos outros.
Em “alto e bom som”, há os que proclamam que a cultura latina e a brasilidade
têm na solidariedade um valor inerente. Fazem referências desdenhosas a outras
culturas marcadas pela objetividade, interpretando essa característica como
“frieza”. Mas, na prática, isso serve apenas para aliviar as consciências de
pessoas que não se doam ou se contentam em fazer tímidas doações a projetos
sociais.
Amar o outro como a si mesmo
Ora, isso é bem diferente do que
ensina o princípio apresentado pelo apóstolo Paulo – considerar a importância
do outro. O apóstolo adverte que a liberdade, quando se torna pretexto para
buscar o que satisfaz, mas não convém, provoca desastres. Incapacita a
competência humana e espiritual de amar ao outro como a si mesmo. O resultado é
nefasto, diz o apóstolo: “Se vos mordeis e vos devorais uns aos outros, cuidado
para não serdes consumidos uns pelos outros!”. Paulo indica o caminho a seguir:
“Fazei-vos servos uns dos outros, pelo amor”.
Ao trilhar esse percurso e reconhecer
o valor da solidariedade, colabora-se com a construção de uma cultura que
contemple fortes sentidos de pertencimento, patriotismo e apurada sensibilidade
humana, que se desdobra em gestos e ofertas mais generosas. Quem se faz servo
apura a própria visão da realidade e consegue ouvir os clamores de quem
necessita de ajuda.
Vivenciar a solidariedade
Por isso mesmo, urgente e
prioritário, neste momento em que a sociedade brasileira precisa sair da crise,
é reconhecer que a solidariedade é determinante nas dinâmicas sociais. Isso não
é uma simples reflexão teórica, mas indicação de uma exigência moral com força
transformadora, pois possibilita o surgimento de atitudes que estão na
contramão das violências que dizimam, das corrupções que sucateiam e da perda
da percepção de que todos são destinatários, igualmente, de condições dignas.
A solidariedade é, pois, princípio
social e virtude moral. Vivenciá-la é investir na edificação de um contexto
novo e melhor. Sem esse princípio e virtude, não se conquistam os ordenamentos
sociais almejados. As relações pessoais continuarão comprometidas e em processo
crescente de deterioração. E um perverso ciclo é alimentado, pois as pessoas se
tornam cada vez mais distantes das estruturas dedicadas à solidariedade. Com
isso, por ignorância, são perpetuadas regras e leis, que são inumanas e
pesadas.
Praticar
Para além de um sentimento qualquer
de compaixão vaga e superficial, a solidariedade tem o valor de despertar e
criar o gosto imperecível pelo bem comum. E todo cidadão, para ser eterno
aprendiz do valor da solidariedade, tem de praticá-la, diariamente,
permanentemente.
Esse exercício exige considerar a
importância do outro, abrir os olhos e os ouvidos para nunca ser indiferente às
dores do mundo, lutar para sair das zonas de conforto e deixar-se incomodar
pelos sofrimentos da humanidade. Uma postura que requer, inclusive, a
disposição para tirar do próprio bolso quantias a serem destinadas a projetos
sociais e ações solidárias. Pois, a sociedade estará na direção de superar seus
descompassos e a cidadania se qualificará quando prevalecer o inestimável valor
da solidariedade.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
O Arcebispo Metropolitano de Belo
Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela
Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma, Itália) e mestre em Ciências Bíblicas
pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma, Itália).
Fonte: Canção Nova
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