Reflita sobre a diferença da solidão que aflige o nosso tempo e a
solitude que devemos buscar
Estar só é uma ação deliberada e
consciente, sentir-se só é uma aflição para a alma. Em um mundo marcado por
múltiplas possibilidades de encontros presenciais ou virtuais, e de incontáveis
estímulos sensoriais, é cada vez mais difícil perceber-se sozinho. Graças aos
avanços tecnológicos, a imensa maioria de nós tem “o mundo na palma da mão”.
Onde quer que estejamos, alcançamos e somos alcançados. A solidão foi sendo
paulatinamente descrita como algo negativo, prejudicial e evitável.
Convencionou-se que estar sozinho
seria sinônimo de infelicidade, tristeza, não realização da plenitude de nosso
ser. No entanto, nada poderia ser mais equivocado, pois como diziam os antigos:
“deste mundo, chegamos sozinhos e partimos sozinhos.” É claro que é inequívoca
a nossa vocação comunitária. Platão já afirmara que “o homem é um ser social”,
exatamente na dimensão de que almejamos estar com nosso semelhante.

Foto: Copyright: Kichigin
No entanto, a qualidade de meu
encontro com os outros, deriva substancialmente da qualidade de
encontro com si
mesmo. Enquanto estou interagindo com outros, o meu ‘eu’ não se percebe, não se
avalia nem se questiona. Se eu espontaneamente não silenciar os barulhos
externos e internos, também não conseguirei ouvir o que Deus tem falado.
Proponho aqui, então, uma diferenciação semântica, isto é, de significado.
Estar sozinho não é o mesmo que se sentir só!
A Solidão no nosso tempo
O sentimento de estar só deriva de
uma solidão que se instala, ainda que você esteja acompanhado. Ela não encontra
força no mundo exterior, mas na interioridade do ser. E aí está o seu traço
mais severo. Aqueles que a vivenciam, por não saber exatamente como surge, não
dispõem dos meios para mandá-la embora. Seu fruto quase sempre é um vazio, um
isolamento que tolhe a criatividade, o ânimo e a significado existencial. Em
algumas pessoas, esse sentimento está oculto por uma postura expansiva, sempre
sorridente, de uma fala prolixa e de alto tom. Um esforço descomunal em ocultar
dos outros e de si mesmo que, embora entre muitos, essa alma não encontra
similaridade entre os que a cercam. Nesse sentido, a solidão pode ganhar contornos
patológicos que merecem o devido cuidado e atenção.
A solitude é a via de encontro consigo e com Deus
Já a condição de ficar sozinho
derivada de intencionalidade e é chamada de solitude. Ela é fruto de uma
vontade do ser, que busca encontrar consigo, ouvir-se, contemplar-se. Apenas na
solitude somos capazes de exercitar a individualidade que nos é própria, e
esses momentos são oportunos e necessários. Externamente, o indivíduo parece
estar solitário, mas ele tem a companhia de si mesmo e de Deus.
Somente na solitude, podemos
experimentar também a possibilidade de um encontro com Deus, pois, em Sua
pedagogia, trata-nos em nossa individualidade. O Senhor sempre falou aos que se
“retiravam”. Assim foi com Abraão, Moisés, Elias. Até mesmo Jesus, podemos
constatar nos Evangelhos, afastava-se para estar com Deus. Sendo assim, nos é
dada a via da ressignificação da solitude não como um simples estar só, mas
como momento de encontro com a minha alma e o encontro desta com Deus. Pode
parecer uma experiência assustadora se você, há muito tempo, não busca a
solidão.
Silêncio interior
Se quando você acorda até o ocaso do
dia, você verifica, a cada cinco minutos, seu WhatsApp, Facebook ou outras
mídias sociais; se ao chegar em casa a primeira coisa que faz é ligar a TV, e
no carro ligar o rádio ou aquele pendrive com 16 gigas de músicas; se você não
consegue se lembrar da última vez que contemplou o céu e viu que a lua continua
lá, está na hora de buscar, no silêncio intencional, ficar um pouco com você
mesmo e com Deus.
Convido também você que se sente só a
buscar a solitude. A solidão é destrutiva, mas a solitude é edificante. Mesmo
sem ninguém por perto, o interior dos que a exercitam encontram na plenitude a
presença de Deus. Não há receita nessa experiência. Cada um de nós trilhará uma
estrada própria e única. Mas aí está a beleza: o caminho. Deus o abençoe em sua
jornada!
“Parai! Sabei que eu sou Deus!”
(Salmo 46,11a)
Christian Moreira
Christian Moreira é missionário da Comunidade Canção Nova, no modo
segundo elo em em Fortaleza (CE). Graduado em História, Mestre em Ciências
da Educação e Especialista em Ensino Superior de História e Especialista
em Gestão Escolar.
Fonte: Canção Nova
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