A relação da Igreja com o mundo representa-se pelo diálogo

A "barca de Pedro", confiada a ele por amor do
próprio Cristo, navega pelos mares da história, mesmo quando estes se
mostram agitados (Cf. At 5,27-41; Jo 21,1-19). Os dias que vivemos
revelam a grandeza atraente e contraditória do pluralismo de ideias e
comportamentos, deixando, muitas vezes, confusas nossas mentes. Se de um
lado bandeiras descritas como expressões de um estado laico ou da
liberdade das pessoas são içadas com força cada dia maior, observamos,
com honestidade, que este mesmo estado pode até criminalizar aqueles que
desejam assumir comportamentos coerentes com a fé professada, relegando
ao nível privado suas convicções, proibindo-lhes fermentar com o bem o
ambiente social e cultural. As constituições dos diversos países
asseguram direitos iguais, mas parece que alguns grupos da sociedade se
consideram "mais iguais", negando justamente a quem tem raízes cristãs a
possibilidade de viver coerentemente, considerando seu comportamento
conservadorismo e bloqueio ao que chamam progresso da civilização.
Os cristãos entraram em contato com as diversas culturas, corajosos por
serem positivamente diferentes e para melhor! As primeiras perseguições,
cujos sinais se encontram nos Atos dos Apóstolos, a chamada "diáspora" -
dispersão - fez com que o sangue dos mártires se tornasse semente de
cristãos. Passaram as culturas que pretendiam eliminar os que
professavam a fé cristã e esta permaneceu. Sucederam-se gerações de
cristãos, todos convocados dentre os pecadores e não do meio dos justos,
mas suas falhas e pecados não conseguiram acabar com a Igreja de Jesus
Cristo.
O século passado, tempo que ainda é nosso, foi dos mais ferozes na perseguição à fé, como constatava o Beato João Paulo II
no grande jubileu do ano dois mil. Naquela ocasião, convidou todos os
cristãos a tomarem consciência da grandeza do testemunho de homens e
mulheres que derramaram o sangue pela fé. E Papa Francisco, numa homilia do dia seis de abril,
sobre a coragem para testemunhar a fé, que não se negocia e não se
"vende a quem oferece mais", assim se expressou: "Para encontrar os
mártires não é necessário visitar as Catacumbas ou o Coliseu; os
mártires estão vivos, agora, em muitos países. Os cristãos são
perseguidos por causa da fé. Em alguns países não podem usar a cruz,
pois são punidos se o fazem. Hoje, no século XXI, a nossa Igreja é uma
Igreja de mártires".
Ficaremos então imóveis, certos e
orgulhosos de que os outros galhos da árvore cairão e nós seremos os
vitoriosos? Sabemos que esta não é a atitude correta, pois queremos
proclamar com a palavra e a vida que Deus ama a todos os seres humanos
de nosso tempo maravilhoso e contraditório, destinatário dos bens da
salvação.
Retomei com alegria a Encíclica "Ecclesiam suam",
de Paulo VI, encontrando propostas muito atuais e inspiradoras que
iluminam nosso argumento. Esta é a hora da Igreja aprofundar a
consciência de si mesma, embora saibamos que nunca seu rosto mostrará
toda a sua perfeição, beleza e santidade. Ela tem necessidade de se
renovar e emendar os defeitos. Urge uma profissão de fé vigorosa,
convicta e sempre humilde, semelhante à do cego de nascença: "Creio,
Senhor" (Jo 9,38). Ser cristão é viver a consciência de uma "iluminação"
que alumia a vida terrena e torna capaz de dirigir-se, como filho da
luz, à visão de Deus.
A Igreja não pode ficar imóvel e
indiferente, pois não está separada do mundo. Seus membros estão
sujeitos à influência do mundo, de que respiram a cultura, leis e
costumes. Se, por um lado, a vida cristã, como a Igreja a defende e
promove, deve preservar-se de tudo quanto pode enganá-la, profaná-la e
sufocá-la, vencendo o contágio do erro e do mal, por outro, a vida
cristã deve não só adaptar-se às formas do pensamento e da moral, que o
ambiente terreno lhe oferece e impõe, quando forem compatíveis com as
exigências essenciais do seu programa religioso e moral, mas deve
procurar aproximá-las de si, purificá-las, vivificá-las e santificá-las,
o que lhe impõe revisão constante de vida, para dispor o espírito dos
cristãos para obedecer a Cristo. Aqui está o segredo da sua renovação,
sua conversão e seu exercício de perfeição, o "caminho estreito" (cf. Mt
7,13).
Há outra atitude, que a Igreja deve tomar: o seu contato
com a humanidade. O cristão está no mundo sem ser do mundo (Jo
17,15-16), porém, distinção não é separação, indiferença, temor ou
desprezo. O tesouro de salvação (Cf. 1 Tm 6,20) é fonte de interesse e
de amor por todos. A guarda e a defesa do patrimônio da fé não são os
únicos deveres da Igreja, mas também a difusão, a oferta, o anúncio:
"Ide, pois, ensinar todos os povos" (Mt 28,19). Este impulso da caridade
se chama diálogo, com que a Igreja se faz palavra, mensagem e colóquio.
O
diálogo está no plano de Deus. Religião é enlace entre Deus e o homem, e
a oração o exprime em diálogo. Deus tomou a iniciativa do diálogo! A
relação da Igreja com o mundo, sem excluir outras formas legítimas,
representa-se pelo diálogo. O próprio Paulo VI propôs um
roteiro para entabular o contato com o mundo. Quem quer dialogar tem
propósito de urbanidade, de estima, de simpatia e bondade, exclui a
condenação prévia e a polêmica ofensiva. Quem dialoga sabe que não pode
separar a própria salvação do interesse pela salvação alheia e anseia
por difundir a mensagem que oferece.
O colóquio é arte de comunicação. Para vivê-lo, o diálogo
supõe e exige clareza. Pede também mansidão, aprendida na escola de
Cristo (Mt 11,29). O diálogo não é orgulhoso nem ofensivo. A autoridade
lhe vem da verdade que expõe, da caridade que difunde, do exemplo que
propõe; não é comando, não é imposição. O diálogo é pacífico, evita os
modos violentos, é paciente e generoso. Para ser levado adiante supõe
confiança. Produz confidência e amizade, enlaça os espíritos numa adesão
ao bem, que exclui qualquer interesse egoísta. Enfim, ele é entabulado
na prudência pedagógica, que atende às condições de quem ouve (Cf. Mt
7,6), exigindo tomar pulso da sensibilidade alheia e modificarmos nossas
pessoas e modos, para não sermos desagradáveis nem incompreensíveis.
É na escola do diálogo que se realizará a união da verdade e da
caridade, da inteligência e do amor. Esta é uma estrada de obediência ao
mandato do Senhor! A cada cristão caberá a tarefa de concretizá-la
diante dos desafios atuais.
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA
Dom Alberto Taveira
foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo
Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário
Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em
Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além
das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de
dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém - PA.
Fonte: Canção Nova
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