Uma boa percepção é ver que a multidão sempre no final das parábolas está do lado de Jesus. Neste dia, começamos a perceber um fato realmente novo: a multidão continua a seu favor, não obstante, ela é incitada a traí-lo. Porém, um dos seus o faz de maneira já anunciada. A pergunta que podemos levantar é: qual a necessidade de um traidor? A resposta é de fundamental valor para compreendermos melhor os dias que virão. Antes disso, procuremos compreender melhor o que vem a ser marcante num discípulo.
Entendamos que a característica principal de um discípulo é a positividade da fé, isto é, ter a capacidade de ler a vida como um filho de Deus, fazendo leitura de cada situação da vida, sabendo que a sensibilidade própria é conhecer (do francês Conaître, tem grande força significativa e quer expressar co-nascer, nascer com; leva a um co-nhe-cer: isto é, em sendo, se mostra tal como se é em sua raiz mais íntima). Conhecer é compreender o mistério da vida em seu fim último: a Santíssima Trindade. Uma vez que Deus ama em nós o que Ele é: pura bondade.
Esta fala nos remonta à cena da criação, em que "Deus criou o homem à sua imagem e semelhança e viu que era bom" (cf.: Gn 1,27.31). Porém, como dizia um grande filósofo, Jean-Jacques Rousseau, "O homem é inocente por natureza. Não é bom nem mau. Quem assim o torna, por influências compactuadas com o tempo, é a sociedade". Isto para indicar que Judas Iscariotes não era ou tinha o gênero ruim. Ele fazia parte de uma facção de indivíduos revolucionários que esperavam também a vinda do Messias, porém, como um guerrilheiro que viria mudar todo o rumo da vida dos judeus, só que por meio da espada.
Atencionemos para a pessoa de Judas Iscariotes: aqui se nos apresenta uma realidade de possibilidade para cada um de nós cristãos: o de ser também traidor. É por isso que ele tem papel importante até a hodiernidade. Se a Igreja transmitiu ao longo dos séculos pela Tradição a sua figura, é porque viu nele a imagem de cada ser humano - finito, limitado, com ânsia de poder, de guerra e, sobretudo o poder da traição pelo gosto de fazer a própria vontade. Não se trata aqui de se fazer uma leitura espiritual da sua pessoa, mas tão somente colocar em relevo o seu papel de traidor, como sendo uma possibilidade de cada pessoa humana e cristã.
Judas representa aquele discípulo que, mesmo estando junto ao mestre é cego e surdo aos seus ensinamentos e parece que estes nunca lhe agradam. Daí, ser revoltoso. Psicologicamente falando, ele não se dispõe ou tem a capacidade de se arrepender e pedir perdão. É a figura oposta a Pedro, que apesar de também cometer o maior crime num relacionamento de amor - a traição - se arrepende, pede perdão e volta. Estas duas figuras são tipos (= representa ou remonta à figura de Cristo) para nós, de possibilidades no seguimento de Jesus Cristo.
De fato, seguir Jesus significa aceitar a cruz, caminhar com Ele contra a violência imperial e a colaboração religiosa passa pela morte até a ressurreição. É esta atitude que Jesus recomenda àqueles que o querem seguir, uma vez que a essência do que é religioso (aquele que está em união com o divino) é o vencer-se a si mesmo. Se assim formos observar, o pecado cometido por Judas é o pecado atual, que podemos explicitar, conceituando-o: o pecado é questão de falta de encontro de fé, de um amor apaixonado pelo Senhor!
Assim sendo, de todas as coisas, nós humanos predicamos, pegando e dando o modo de viver essas coisas e seu modo próprio, desenvolvendo as possibilidades intrísecas a elas, com todas as condições favoráveis, para que naturalmente, as coisas se desenvolvam. Diferentemente do homem, que é impossível enumerar as condições e possibilidades dele. Ora, o homem tem que estar na vida, procurando dar sentido, reorganizando o sentido dado à vida, relendo Deus, Ele mesmo e a realidade de uma forma nova: isto é experiência. É o que faltou em Judas, para chegar a um verdadeiro encontro com Jesus, diferentemente de Pedro, que ao negar Jesus pela terceira vez, lembrou-se das palavras de Jesus "e começou a chorar" (cf.: Mc 14,72b).
Aqui percebemos a importância do choro como encontro. Em toda a vida dos santos, o choro só vem a partir de um encontro pessoal de uma grande busca pelo amor do Senhor. É o que aconteceu com Pedro, São Francisco de Assis e tantos outros. Ser Judas e ser Pedro, repetimos, é uma possibilidade que o Senhor nos dá, sempre questionando quanto à nossa liberdade de filhos de Deus.
Portanto, a necessidade de um traidor é para se perceber que, em tudo, o Senhor oferece a mesma coisa que ofereceu no Paraíso: a liberdade de escolha (cf.: Gn 2,17). Diversamente daquela mulher que perfumou o corpo de Jesus (cf.: Mc 14, 3-8), Judas escolheu a "pior parte". E assim, Judas colaborando com o domínio imperial, findou-se a quarta-feira, estando tudo combinado para a prisão de Jesus.
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